mordo o ar espesso do sequestro
enquanto os seus tecidos coloridos
brincam com o vento que aqui
não vem
já não sei quantas vezes eu
olhei para o canto deste quarto e aprendi
todos os detalhes sobre o piso mal assentado e
o móvel carcomido que sobre ele pesa
não fazer a menor ideia dos seus passos,
a mais sábia escolha neste cubículo em que derreto
gota a gota
em dor
o calendário rasgado naquele dia em que o uísque
acabou. era (de) quinta.
me fez desistir de contar o tempo à força
para eu me sentir livre e pular de cabeça
na pedra invisível das minhas escolhas
mastigo esse bafo repetidas vezes
à espera de um sopro cada vez menos
provável
ninguém me prescreve coisa alguma
ou a mão estende
o copo d’água que vinha debaixo da porta
quebrou-se dia desses, sem substituto
já o prato parece o mesmo sempre
constatação que me vem ao observar o pouco
que pela fresta da janela é possível:
bandeiras auriverdes por toda a parte
dizendo haver ordem por aí
enquanto minhas entranhas rugem
um lento cântico final
perco, no derreter das horas,
a capacidade de imaginá-la:
carne já sem sabor, perfume, rouca
meus dentes abocanham o vazio.