Perca sua voz
nas frestas do ar
toque a alma cansada
do poeta a ninar
acaricie o cabelo
do homem que dorme
de tanto chorar
Perca sua voz
no menino descalço
amenize nas rugas da lavra
o grande percalço
rompa, do homem sisudo,
os nervos de aço
Perca sua voz
à beira da janela
espalhe pela urbana
inebrie a cidadela
beije os alvos fios
de quem lhe acende uma vela
Perca sua voz
no vestido lívido
que pela ladeira desfila
a retirar do idoso lúcido
e do garoto levado
suspiros de elegia
Perca sua voz
na armadura montada
em nós de gravata
nos mares de notas
e lagos de moedeiros
force a poesia
para dentro do peito
que lucra e não vive
Perca sua voz
no ébrio partir da noite
envolva a alvorada
com suas sagradas harpas
supere os céus, os planaltos
e as eternas esplanadas
Perca sua voz
na ausência do tom
no concreto marcado
crava no asfalto seu dom
Pétalas emana
nas notas que proclama
bendito é seu som
Perca sua voz
por entre minhas cortinas
abandone a mulher
traga para si a menina
deixe que o vinho se espalhe
sobre a pele que lhe ilumina
perca sua voz em meus beijos
no homem que lhe sublima.
*maio de 2003