a coragem de apontar o lápis
aprontar a folha única, branca,
enquanto começa a chover.
encerrar os barulhos de dentro
fora
concentrar o olhar pronto
ordenar os músculos em marcha
sentar na posição correta
da contemplação.
o cuidado de esticar a lâmina branca
a sabedoria de empunhar o grafite
inspirar na profundidade
do primeiro traço.
iniciar pelos cabelos
evidenciar a complexidade das cores
mostrar os degradês à luz
da luz
gastar goles e tempo nas sobrancelhas
rodear o mundo nos perigosos olhos
perder-se mil vezes na boca
barroca.
esticar o traço pelo pescoço. parar.
mais um trago. pensar.
vasculhar a mobília, lago plácido da reminiscência.
desconcerto.
volta.
descontinuar o traço, representar o fulgor
arredondar os contornos. relevo. prender-se.
abrir o ângulo. vales dos quadris. morrer-se.
envolver as pernas em riscos infames
deleitar-se com a proximidade do chão
esperar um pouco antes dos pés
revisar da obra o conjunto
não há senão
esticar os dedos, pintar as unhas
rubras
vestir o corpo, mas contemplar,
indefinidamente
genética da inspiração.