em meio à profusão de cores, desejos, sons e minúcias, o que mais se apresentava didaticamente para meus olhos era o batom. vermelho. não era exatamente da cor-clichê; por essa razão, talvez, despertou a atenção. minto. os lábios encarnados viraram o ponto de referência possível naquele instante.
movida pelo soul a circular pelo audífono branco, caminhava quase dançante, enganando as esquinas dos Jardins, flertando com a Avenida Paulista em uma clara demonstração de coragem: não tinha medo de nada.
ambulava por entre as pessoas sem contato visual, ignorava as bancas, o rosto ainda tenro de menina contrastava com a carne feminina e febril. escarlate.
sorria, alucinada sutilmente pelos tangos, jazzes, lembranças turvas da última noite com amigas, flertes, possibilidades. caminhava mais alto que os espigões invejáveis da via.
brinca com as folhas do parque trianon, boceja na lentidão do metrô, verifica as unhas rapidamente: sabe onde vai – e ali aporta. na imensidão da livraria. multicolorida nas suas lombadas, sedutora na imobilidade do saber, ordenada pelos estereótipos da mente. cheiro de carpete. sofás para descansar – e, talvez, devorar.
absolutamente perdida: encontra-se em palavras soltas ou páginas repletas de frases. busca-se para voltar ao desvario na prateleira seguinte. inocula, deliberadamente, o delirante vício. mais.
é possível desenhá-la apenas a partir do perfume que trilhou todo este caminho. sem saber, lê o que poderia sussurrar horas a fio caso soubesse de mim. hoje.
sorte: encontra uma mesa no abarrotado café. degusta o amargor insinuante das sementes dúbias. preenche as veias, agora, com parágrafos escritos sob a mais profunda embriaguez. bandido. degusta a noite líquida, acende os poros, alinha o quadril. come a realidade ao observar. contempla. silêncio.
especulo, distante, quantas linhas seriam necessárias para beijar a curva aberta e sorridente do batom vermelho – a boca apaixonada pelo porvir.
Boa, Rodolfo!!!
Gostei dos textos. Continue postando. Abração!
[Michel]