fechar a porta, sem os dramáticos arroubos
de contemplar o passado;
decidir, arrumar e partir
mecanicamente à espera de si mesma
ali, do outro lado, talvez na calçada,
antes mesmo da porta;
num degrau.
expiar os pecados de não sucumbir
às tentações múltiplas,
arrancar da pele grácil os calores
espantosos dos sonhos turvos,
irromper pelas vestes coloridas
da noite,
embevecer todas as almas
com a amplitude
e a plenitude
do estupor.
sabe que batem à porta
tantas vozes, chances e súplicas;
finge, com o rosto oculto e espalmado,
o não-existir dos calores outros.
exclama, no tecido íntimo,
o eterno condicional: se.
com uma roupa nova,
a primeira realmente ao seu gosto,
deixou-se para trás;
assumiu-se, enfim, tão verdadeira;
declarou o “nunca-mais”;
vibrante na corda-bamba do medo,
sentiu o tremor do seu tempo.
navegou o próprio vento,
beijou os mares de si mesma,
ao enxergar o mundo
com data marcada.
cotovelos apoiados sobre a pia:
sonhava, sonhava, perdida,
com esse dia.