havia um filtro, enquanto percorria
a rua central;
o acinzentado racional do presente
embebia-se das dóceis cores
do outrora.
de fato, mais vivas eram;
vermelhos intensos, amarelos solares
azuis masculinos, púrpuras suaves.
nos fuscas, fachadas, relógios de rua
intensa poluição curvilínea dos néons
pinturas dos ônibus: cada empresa, cada qual
harmonia desordenada, fluente
cabal.
o concreto não era espelho;
a especulação, nem tão ordinária,
esculpia à moda antiga a amplidão.
havia mais sons, acredito
e a tevê? menos pior.
romances sem medo despiam-se pelas calçadas,
nas quais havia flores: parece que sumiram as hortênsias,
rumaram a um não-lugar desses
em que as esperanças escoam
para a cloaca do medo.
efervescia-me a alma naquela rua
um túnel inquebrável de pretéritos
tão perfeitos.
éramos nós, naqueles metros caóticos
pratos-feitos saborosos, pudins grátis
de amor
num (des)caminho de encanto, um suspiro de vida
no pântano na morte-urbana-coletiva
beijamo-nos como se não houvesse agrura alguma
ao redor.