solar

a vontade converteu-se em túnel. não havia nada ao redor senão paisagem em escape. volátil e veloz, pendia morro abaixo sem pensar noutra coisa. havia apenas o suor na palma das mãos, ciosas por desenhar novamente o rosto-voz-palavras que milhões de ansiedades tão bem provocara ao longo daqueles dias. o tempo, comprimido à dimensão da fome crescente, empurrava-lhe o peito sem dor. o vento soprava músicas que embalavam silenciosamente o suave despencar. depois do salto, batia-lhe o rosto um indelével frescor, ladeado pelo verde das árvores verticalmente aceleradas.

de repente, a planície. não houve choque contra o chão arenoso. o dia parecia mais radiante. mulheres empurravam felizes seus bebês, corredores desafiavam a saúde nos retilíneos quilômetros que com o mar brincavam de arrebentar. do inferno, o vapor emergia em distinções: ferviam o sangue, nervos e pessoas à espera do logo mais.

por entre carros, pedestres e obstáculos outros, seguia o rumo. reduzia o frio do aguardar à força. após algumas piscadelas, lá estava.

havia um desespero de anos contido na semana vazia. um cemitério de sonhos ressuscitado num abrir de porta. cego diante do tímido sorriso, vestiu-se de transe. de transa. de presença. de vida.

agarrou aquele corpo à procura da alma que palpitava escondida entre frases rudes e um rubor de quem não sabia explicar a si como tudo aquilo estava, enfim, deflagrado. fundiam-se como plantas encaracoladas à procura de apoio, dançavam no silêncio do encontro gravemente embalados pelas rígidas notas do torpor.

pelas vazias ruas do passado, perderam-se do mundo. havia apenas a liberdade de folhear com calma o desconhecido, embrenhar-se por esquinas perdidas em uma distante – e talvez desconhecida – memória.

a cada curva barroca das pilastras, subiam-lhe sedes frenéticas à mente. o tremor da noite pregressa encontrava duramente a crueza do agora. sucumbiram à escuridão, espalharam-se no leito em busca da consumação extrema da poesia. rimaram seus relevos em febre, esculpiram-se, juntos, num querer.

não havia tempo, tampouco ausência. passado e presente ruíram solenes a contemplar a nudez estendida, apaixonada, silente.

incontáveis beijos são sempre incapazes de tudo conter.

Sobre Rodolfo Araújo

Jornalista, amante do teatro, um (des)crente (in)constante.
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