prisão

mordo o ar espesso do sequestro

enquanto os seus tecidos coloridos

brincam com o vento que aqui

não vem

já não sei quantas vezes eu

olhei para o canto deste quarto e aprendi

todos os detalhes sobre o piso mal assentado e

o móvel carcomido que sobre ele pesa

não fazer a menor ideia dos seus passos,

a mais sábia escolha neste cubículo em que derreto

gota a gota

em dor

o calendário rasgado naquele dia em que o uísque

acabou. era (de) quinta.

me fez desistir de contar o tempo à força

para eu me sentir livre e pular de cabeça

na pedra invisível das minhas escolhas

mastigo esse bafo repetidas vezes

à espera de um sopro cada vez menos

provável

ninguém me prescreve coisa alguma

ou a mão estende

o copo d’água que vinha debaixo da porta

quebrou-se dia desses, sem substituto

já o prato parece o mesmo sempre

constatação que me vem ao observar o pouco

que pela fresta da janela é possível:

bandeiras auriverdes por toda a parte

dizendo haver ordem por aí

enquanto minhas entranhas rugem

um lento cântico final

perco, no derreter das horas,

a capacidade de imaginá-la:

carne já sem sabor, perfume, rouca

meus dentes abocanham o vazio.

Sobre Rodolfo Araújo

Jornalista, amante do teatro, um (des)crente (in)constante.
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